O fingidor


Poema de Manoel de Barros



O ermo que tinha dentro do olho do menino era um defeito de nascença, como ter uma perna mais curta.
Por motivo dessa perna mais curta a infância do menino mancava.
Ele nunca realizava nada.
Fazia tudo de conta.
Fingia que lata era um navio e viajava de lata.
Fingia que vento era cavalo e corria ventana.
Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino montava num lagarto e ia pro mato.
Mas logo o lagarto virava pedra.
Acho que o ermo que o menino herdara atrapalhava as suas viagens.
O menino só atingia o que seu pai chamava de ilusão.



Fonte: "Poesia Completa", Editora Leya, 2010.
Originalmente publicado em: "Retrato do artista quando coisa", 1998.