Passarinho cantando
Poema de Jorge de Lima
Congos, cabindas, angolas,
também de Cacheo e de Bissau,
Maranhão, Pernambuco, Pará,
Fernando Pó, São Tomé, Ano Bom,
Serra Leoa, Serra Leoa, Serra Leoa !
Cabo Verde, Moçambique,
duas cozinheiras, três belas mucamas, óleo de côco,
(o boto também gosta de teu sangue Sudão).
Senhor Manuel Teixeira dos Santos
vem de redingote, suíças e procuração.
Ana Maria doceira de meu pai
amancebou-se com o alferes;
na segunda geração:
nem culatronas, nem pés apalhetados,
nem panos da Costa, nem figas, nem aluá.
Na terceira nasceu Maricota, fiIha de santo,
checheré, rainha suicidou-se com fogo.
Deixou urna filha sagrada com água benta,
fechada com mandinga, branca, casada, com chácara.
Há na sua pele três estrelas marinhas, duas estrelas d' Alva,
a Lua, a Água viva, a Fome de abraços.
Há no seu sangue:
três moças fugidas, dois cangaceiros,
um pai de terreiro, dois malandros, um maquinista,
dois estourados.
Nasceu urna índia,
urna brasileira,
urna de olhos azuis,
urna prirneira cornunhão,
urna que deu seus cachos ao Senhor da Paixão,
urna que tinha ataques,
urna que foi ser freira,
urna que nasceu em Londres e é parenta do Rei.
O passarinho ficou órfão
cantando, catando penas só.
Fonte: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
Originalmente publicado em: "Poemas Negros", 1947.