Caminhos de minha terra

Imagem de Jorge de Lima

Poema de Jorge de Lima



Caminhos inventados por quem não tem pressa
               de ir-se embora.
Pelos que vão a escola.
Pelos que vão a vila trabalhar.
Pelos que vão ao eito.
Pelos que deixam a terra como eu deixei um dia...
Pelos que levam quem se despede da vida que é tao bela...

A minha terra ninguém chega: ela é tão pobre...
Dizem que tem bons ares para os tísicos -
mas os tísicos não vão lá: é tão difícil de ir-se lá...

    Caminhos de minha terra onde perdi
    os olhos e os passos da meditação...
    Caminhos em que ceguinhos e aleijados podem
    ir sem olhos e sem pernas: eles não atropelam
    os pobrezinhos.
    Alguém quer partir e eles dizem:

    - "não vás: toma lá uma goiaba madura,
    uma pitanga, uma ingá e dão como
    as mãos dos missionários que dão tudo,
    cajus, pitombas, araçás a todos os meninos do lugar.
    Caminhos que ainda tem orvalhos e sonâmbulos bacuraus,
    e tem ninhos suspensos nas ramadas.

Ali perto, na Curva do Encantado
onde mataram de emboscada um cangaceiro,
há uma cruz de pitombeira ...
Quem passa joga uma pedra,
reza baixinho: "Padre nosso que estais no céu
               santificado se já o vosso nome
               venha a nós...
Aquela cruz do cangaceiro é milagrosa.
já me curou dum puxado que
eu peguei na escola da professora -
minha tia Bárbara de Olivedo Cunha Lima -

               Mundaú! - soube depois
que quer dizer rio torto.
    Quem te inventou Mundaú, das minhas lavadeiras
seminuas,
    dos meus pescadores de traíras? -
Mundaú! - rio torto - caminho de curvas,
por onde eu vim para a cidade
onde ninguém sabe o que é caminho. 



Fonte: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
Originalmente publicado em: "Poemas", 1927.