Sofrimento

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Poema de Gonçalves Dias



Meu Deus, Senhor meu Deus, o que há no mundo
        Que não seja sofrer?
O homem nasce, e vive um só instante,
        E sofre até morrer!

A flor ao menos, nesse breve espaço
        Do seu doce viver,
Encanta os ares com celeste aroma,
        Querida até morrer.

É breve o romper d’alva, mas ao menos
        Traz consigo prazer;
E o homem nasce e vive um só instante:
        E sofre até morrer!

Meu peito de gemer já está cansado,
        Meus olhos de chorar;
E eu sofro ainda, e já não posso alívio
        Sequer no pranto achar!

Já farto de viver, em meia vida,
        Quebrado pela dor,
Meus anos hei passado, uns após outros,
        Sem paz e sem amor.

O amor que eu tanto amava do imo peito,
        Que nunca pude achar,
Que embalde procurei, na flor, na planta,
        No prado, e terra, e mar!

E agora o que sou eu? - Pálido espectro,
        Que da campa fugiu;
Flor ceifada em botão; imagem triste
        De um ente que existiu.

Não escutes, meu Deus, esta blasfêmia;
        Perdão, Senhor, perdão!
Minha alma sinto ainda, - sinto, escuto
        Bater-me o coração.

Quando roja meu corpo sobre a terra,
        Quando me aflige a dor,
Minha alma aos céus se eleva, como o incenso,
        Como o aroma da flor.

E eu bendigo o teu nome eterno e santo,
        Bendigo a minha dor,
Que vai além da terra aos céus infindos
        Prender-me ao criador.

Bendigo o nome teu, que uma outra vida
        Me fez descortinar,
Uma outra vida, onde não há só trevas,
        E nem há só penar.




Fonte: "Poesia completa e prosa escolhida", Editora José Aguilar, 1959.
Originalmente publicado em: "Primeiros Cantos", 1846.