Seus olhos

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Poema de Gonçalves Dias



Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
           De vivo luzir,
Estreias incertas, que as águas dormentes
           Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
           Tem meiga expressão,
Mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta
De noite cantando, - mais doce que a flauta
           Quebrando a solidão.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
           De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
           Brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
           Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; - causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
           Com modo gentil.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
           Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
           Às vezes, vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
           Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
           Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
           Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
           Não pensa - a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
           às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
           De pranto co’um véu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
           Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram sem causa
           Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
           De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
           Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
           Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
           Com tanta paixão.



Fonte: "Poesia completa e prosa escolhida", Editora José Aguilar, 1959.
Originalmente publicado em: "Primeiros Cantos", 1846.