O bêbado na estrada

Imagem de Augusto Frederico Schmidt

Poema de Augusto Frederico Schmidt


Um bêbado está cantando na estrada
A voz do bêbado vem de longe,
Lá de baixo da estrada molhada.
A voz do bêbado vem da noite úmida,
Vem da estrada que as chuvas da tarde ensoparam.
Foi a noite que exaltou o bêbado,
Ele é um pedaço de voz dentro da noite.
É uma voz exaltada clamando,
É alguma coisa de exaltado
Dentro da noite.

É um bêbado, longe é um bêbado
Que está na estrada
Como um sapo,
Como urn pedaço de voz dependurada numa cerca.
É um bêbado que está clamando, é um profeta no deserto,
É um náufrago na estrada, no mar, no caminho.
Ê urn bêbado que está exaltado pela noite,
É um furioso entre as furiosas forças invisíveis.
É uma voz gritando contra as árvores,
É uma voz que se levanta da lama,

E procura se libertar do terror e do mistério.
É um bêbado gritando.
Pensará que está cantando?
É um bêbado na noite,
É um homem na noite,
É uma alma no mundo,
É um bicho misterioso que fala,
É um participante do mistério.

É um homem esse bêbado,
É um ser que se levantará bêbado,
Ao som das trombetas
E virá exaltado,
E virá cambaleando,
E virá clamando.
Pelo grande caminho.
É um ser, é um bêbado na noite,
É um perseguido pelos cães,
Mas a sua voz é um milagre
E bêbado na estrada úmida
E perseguido pelos cães
Ele povoa o mundo noturno de terror, de gravidade e do sentimento da morte.
É um bêbado na estrada.



Fonte: "50 poemas escolhidos pelo autor", Cadernos de Cultura/ME, 1957.