Arte poética

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 Poema de Ferreira Gullar




Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
                  e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
– ainda que nascido da morte –
                  some-se
                  aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
                  no presente veloz

Nada que se pareça
a pássaro empalhado múmia
de flor
dentro do livro
                  e o que da noite volte
volte em chamas
      ou em chaga

      vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade inteira



Fonte: "Coleção Melhores Poemas", Editora Leya, 2012.
Originalmente publicado em: "Na vertigem do dia", 1980.