Um pensamento
Poema de crroma
Era uma xícara qualquer, suja na pia,
marcada de batom.
Descendo os degraus,
a porta se abria para uma noite
de ártica primavera.
A rua exultava a mesma ordinariedade
do trânsito calculado de automóveis, de anônimos pedestres,
da luz tediosa dos postes. Levados adiante
pelo impassível cinza de edifícios
e calçadas. Cada coisa investida em existir no tempo presente,
em se mover, em transmitir
sinais eletromagnéticos, em expelir
vapores para a atmosfera, em produzir cheiros urbanos.
Rompeu a película monótona do cotidiano, a película
da noite, bestial irracionalidade na forma de um homem.
Algemas imobilizaram os pulsos,
forçosamente imobilizou-se o corpo em um veículo estranho,
logo transportado a ermos, a instantes
de terror gutural
que prenunciavam encontro inescapável.
Oh irmãs na vida, no medo,
- somos irmãs em ambos -
usurpada de minha
humanidade, em breve
de meu ser,
comovidamente eu pensava
na xícara suja na pia, uma
xícara qualquer, marcada
de batom.