Romance LIX ou da reflexão dos justos

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Poema de Cecília Meireles



Foi trabalhar para todos...
- e vede o que lhe acontece!
Daqueles a quem servia,
já nenhum mais o conhece.
Quando a desgraça é profunda,
que amigo se compadece?

Tanta serra cavalgada!
Tanto palude vencido!
Tanta ronda perigosa,
em sertão desconhecido!
- E agora é um simples Alferes
louco, sozinho e perdido.

Talvez chore na masmorra.
Que o chorar não é fraqueza.
Talvez se lembre dos sócios
dessa malograda empresa.
Por eles, principalmente,
suspirará de tristeza.

Sábios, ilustres, ardentes,
quando tudo era esperança...
E, agora, tão deslembrados
até da sua aliança!
Também a memória sofre,
e o heroísmo também cansa.

Não choram somente os fracos.
O mais destemido e forte,
um dia, também pergunta,
contemplando a humana sorte,
se aqueles por quem morremos
merecerão nossa morte.

Foi trabalhar para todos...
Mas, por ele quem trabalha?
Tombado fica seu corpo,
nessa esquisita batalha.
Suas ações e seu nome,
por onde a glória os espalha?

Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.

E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?

Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro,
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?



Fonte: "Antologia Poética", Editora do Autor, terceira edição, 1966.
Originalmente publicado em: "Romanceiro da Inconfidência", 1953.