Raiz amarga
Poema de Henriqueta Lisboa
Sinto que sou raiz amarga.
Terra gretada é minha sede.
Núcleo de sombras é meu cárcere.
Lá fora - ao sol, à chuva, ao frio -
rastejarei à flor do chão?
Estarei no ar em clorofila?...
Não sei se há a graça dos troncos,
pássaros abrigados nas franças,
escaravelhos zumbindo nos brotos.
Não sei se há doçura de pétalas,
nem aconchego de folhagem
dormindo sobre espelhos d'água.
Seja de ouro o pólen ao vento,
de ouro o mel a escorrer do cerne,
de ouro a flama em torno da lenha!
Sonho a paisagem do meu quadro:
vale seivoso entre montanhas
e o céu - acima de minha fronde.
Porém meus gestos precingidos
como os nós cegos das amarras
furtam-me a toda revelação.
Talvez - condenada ao deserto -
eu realize apenas miragem
na imaginação dos homens.
Fonte: "Prisioneira da Noite", Editora Civilização Brasileira, 1941.
Originalmente publicado em: "Prisioneira da Noite", Editora Civilização Brasileira, 1941.