O tempo

Imagem de Murilo Mendes

Poema de Murilo Mendes



O tempo cria um tempo
Logo abandonado pelo tempo,
Arma e desarma o braço do destino.

A metade de um tempo espera num mar sem praias,
Coalhado de cadáveres de momentos mesmo azuis.
O que flui do tempo entorna os pássaros,
Atravessa a pedra e edifica os monumentos
Onde se desenrola - o tempo espreitando - a ópera do espaço.

Os botões da farda do tempo
São contados - não pelo tempo.
O relojoeiro cercado de relógios
Pegunta que horas são.

O tempo passeia a música e restaura-se.
O tempo desafia a pátina dos espíritos,
Transfere o heroísmo dos heróis obsoletos,
Divulga o que nós não fomos em tempo algum.



Fonte: "O Menino Experimental", Summus Editorial, 1979.
Originalmente publicado em: "Poesia Liberdade", Editora Agir, 1947.



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