O bicho-bípede e a cerca elétrica
Poema de Paulinho Assunção
o filho tem uma estampa de guevara
na camisa, a filha faz poemas em papéis
de bordadura, o pai foi da sorbonne,
a mãe de oxford, hoje quando passo,
um pé e outro pé com os meus sapatos
náuticos, eu vejo a casa, casa-primavera,
a cerca, onde havia rosas, a cerca,
onde havia a hera, eis essa família,
família brasileira, o carro entra ou sai
sobre pedrinhas portuguesas, não
há um só bom-dia, não há um só
boa-noite, o cão só mostra os dentes,
eu passo, um pé e outro pé com os meus
sapatos náuticos, vejo a nave, a nave
passa, não é nave do planeta, será talvez
de marte, será um astro cadente,
procuro sinais de gente na casa-primavera,
só vejo o cão, o cão só mostra os dentes,
terei a mão doente, talvez eu traga a peste,
sou só um bicho-homem, sou só um bicho-bípede,
dez mil volts onde havia rosas, dez mil
volts onde havia a hera, eis a casaprimavera,
o pai foi da sorbonne, a mãe
de oxford, a filha faz poemas, o filho
tem um che no lado esquerdo
da camisa, eis a casa, eis a nave:
a cerca é o meu limite.
Fonte: Coleção "Leve um Livro", 2017.