Memória
Poema de Ferreira Gullar
menino no capinzal
caminha
nesta tarde e em outra
havida
Entre capins e mata-pastos
vai, pisa
nas ervas mortas ontem
e vivas hoje
e revividas no clarão da lembrança
E há qualquer coisa azul que o ilumina
e que não vem do céu, e se não vem
do chão, vem
decerto do mar batendo noutra tarde
e no meu corpo agora
– um mar defunto que se acende na carne
como noutras vezes se acende o sabor
de uma fruta
ou a suja luz dos perfumes da vida
ah vida!
Fonte: "Coleção Melhores Poemas", Editora Leya, 2012.
Originalmente publicado em: "Dentro da noite veloz", 1975.