Trechos do livro espelho mágico
Poemas de Mario Quintana
Dos mundos
Deus criou este mundo. O homem, todavia,
entrou a desconfiar, cogitabundo....
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.
Das utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Das ilusões
Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!
Do sabor das coisas
Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo...
Das idéias
Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...
Da felicidade
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!
Da discrição
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Da preguiça
Suave preguiça, que do mau-querer
E de tolices mil ao abrigo nos pões...
Por causa tua, quantas más ações
Deixei de cometer!
Do mal da velhice
Chega a velhice um dia... E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprida...
Da experiência
A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está perdido...
Fonte: "Quintana de Bolso", Editora L&PM Pocket, 2007.
Originalmente publicado em: "Espelho Mágico", 1951.