Canção do amor-perfeito
Poema de Cecília Meireles
O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabêsco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito:
num tempo depois das almas.
Fonte: "Antologia Poética", Editora do Autor, terceira edição, 1966.
Originalmente publicado em: "Retrato Natural", 1949.