Ancila Negra

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Poema de Jorge de Lima



Há ainda muita coisa a recalcar,
Celidônia, ó linda moleca ioruba
que embalou minha rede,
me acompanhou para a escola,
me contou histórias de bichos
quando eu era pequeno,
muito pequeno mesmo.

Há mais coisa ainda a recalcar:
As tuas mãos negras me alisando,
os teus lábios roxos me bubuiando,
quando eu era pequeno,
muito pequeno mesmo.

Há muita coisa ainda a recalcar
ó linda mucama negra,
carne perdida,
noite estancada,
rosa trigueira,
maga primeira.

Há muita coisa a recalcar e esquecer:
o dia em que te afogaste,
sem me avisar que ias morrer,
negra fugida na morte,
contadeira de histórias do teu reino,
anjo negro degradado para sempre
Celidônia, Celidônia, Celidônia!

Depois: nunca mais os signos do regresso.
Para sempre: tudo ficou como um sino ressoando.
E eu parado em pequeno,
mandingando e dormindo,
muito dormindo mesmo.



Fonte: "Novos poemas; Poemas escolhidos; Poemas negros", Editora Lacerda, 1997.
Originalmente publicado em: "Poemas Negros", 1947.