A morta viva
Poema de Murilo Mendes
Maria do Rosário estendida no caixão
Toda vestida de branco aos vinte anos
Está cercada de angélicas e de moscas.
Seu rosto é inviolavelmente puro e simples.
Telefonam telefonam telefonam.
Inclino-me sem chorar sobre seu corpo.
Só agora lhe digo a palavra de ternura
Que ela nunca pode conseguir de mim,
A palavra que talvez justificasse uma vida,
A palavra que eu nunca tive a força de dizer.
Só agora sei que a amo, de um amor definitivo.
Só agora me descobri seu companheiro para sempre.
A eternidade irrompeu no tempo, violentíssima.
Fonte: "Murilo Mendes: Melhores Poemas", Global Editora, 2012.
Originalmente publicado em: "Tempo e Eternidade", Livraria do Globo, 1935.