Gesso

Imagem de Manuel Bandeira

Poema de Manuel Bandeira



Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
- O gesso muito branco, as linhas muito puras -
Mal sugeria imagem de vida
(Embora a figura chorasse).

Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.

Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente da pátina...

Hoje este gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.



Fonte: "Antologia Poética", Editora Nova Fronteira, 2001.
Originalmente publicado em: "O Ritmo Dissoluto", 1924.