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Imagem de Manoel de Barros

Poema de Manoel de Barros



O que ele era, esse cara
Tinha vindo de coisas que ele ajuntava nos bolsos - por forma que pentes, formigas de barrancos, vidrinhos de guardar moscas, selos, freios enferrujados, etc.
Coisas
Que ele apanhava nas ruínas e nos montes de borra de mate (nos montes de borra de mate crescem abobreiras debaixo das abobreiras sapatos e pregos engordam...)
De forma que recolhia coisas de nada, nadeiras, falas de tontos, libélulas - coisas
Que o ensinavam a ser interior, como silêncio nos retratos.
Até que de noite pôs uma pedra na cabeça e foi embora.
Estrelas passavam leite nas pedras que carregava.
Vagou transpedregoso anos.
Se soube que atravessou Paris de urina presa.
Estudou anacoreto.
Afez-se com as estradas e o cheiro de ouro dos escaravelhos.
Um dia chegou em casa árvore.
Deitou-se na raiz de um muro, do mesmo jeito que um rio fizesse para estar encostado em alguma pedra.
Boca não abriu mais?
Arbora em paredes podres.



Fonte: "Poesia Completa", Editora Leya, 2010.
Originalmente publicado em: "O Guardador de Águas", 1989.