Intimação

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Poema de Carlos Drummond de Andrade



Abre em nome da lei.
Em nome de que lei?
Acaso lei sem nome?
Em nome de que nome
cujo agora me some
se em sonho o soletrei?
Abre em nome do rei.

Em nome de que rei
é a porta arrombada
para entra o aguazil
que na destra um papel
sinistramente branco
traz, e ao ombro o fuzil?

Abre em nome de til.
Abre em nome de abrir,
em nome de poderes
cujo vago pseudônimo
não é de conferir:
cifra oblíqua na bula
ou dobra na cogula
de inexistente frei.

Abre em nome da lei.
Abre sem nome e lei.
Abre mesmo sem rei.
Abre, sozinho ou grei.
Não, não abras; à força
de intimar-te, repara:
eu já te desventrei.



Fonte: "Antologia Poética", Editora Record, 2001.
Originalmente publicado em: "Lição de coisas", Editora José Olympio, 1962.