Eu sou trezentos
Poema de Mário de Andrade
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh Pireneus! ôh caiçaras!
Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as melhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal me encontrarei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Remate de males", 1930.