Alta tensão

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Poema de Murilo Mendes



Salve mundo de amanhã
Que possuirá meus ossos,
Fuzilarás talvez meus sobrinhos:
Espero não te legar filhos
Para massacrares na guerra.

Os sem-trabalho vão visitar o ditador,
Recebem presentes de granadas.
Os banqueiros protegidos
Por máscaras contra gases asfixiantes
Montam guarda à porta dos palácios.
Meu anjo da guarda não aparece,
Os aviões inimigos
Estabelecem uma forte cortina de cerração
Em torno de seu corpo.
Minha mãe num delírio
Sai do arco-íris tocando piano
Que só eu escuto na desordem geral.

A tarde nasce com cuidados de manhã.
As órfãs vão passear de uniforme na praia
Enquanto as filhas dos capitalistas
Jogam bola diante delas,
Deslizam na bicicleta,
Voam na lancha azul.
Os elementos não me pertencem,
Não posso consolar
Nem ser consolado;
Não posso soprar em ninguém
O espírito da vida
Nem ordenar o crescimento das crianças
Nem oferecer uma aurora boreal à minha amada
Nem mudar a direção do olhar da amada,
Nem mudar - ai de mim! - a direção do mundo.



Fonte: "O Menino Experimental", Summus Editorial, 1979.
Originalmente publicado em: "O Visionário", Editora José Olympio, 1941.



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