Confissão

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Poema de Cecília Meireles



Na quermesse da miséria,
fiz tudo o que não devia:
se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas depois ficou errado.
Nem longe nem perto
se encontra o culpado!)

De tanto querer ser boa,
misturei o céu com a terra,
e por uma coisa à-toa
levei meus anjos à guerra.

Aos mudos de nascimento
fui perguntar minha sorte.
E dei minha vida, momento a momento,
por coisas da morte.

Pus caleidoscópio de estrelas
entre cegos de ambas as vistas.
Geometrias imprevistas,
quem se inclinou para vê-las?

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas evadiu-se o culpado.
Deixo meu coração - aberto,
à porta do céu - fechado.)



Fonte: "Antologia Poética", Editora do Autor, terceira edição, 1966.
Originalmente publicado em: "Vaga Música", 1942.

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